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Erosão

  • 2022

    Erosão

Uma criação para 12 bailarino.a.s do CCN - Ballet de Lorraine em Nancy. Erosão visita os Ballets Suédois, uma trupe dadaísta privada instalada nos Teatros dos Champs-Elysées entre 1920 e 1925.

 

Peça para 12 bailarinos do Ballet de Lorraine baseado em L'homme et son désir, uma peça do Les Balles Suédois (1921).

L'homme et son désir (O homem e seu desejo) foi criado por Paul Claudel no Rio de Janeiro, mais precisamente em Petrópolis, em 1917. A atmosfera brasileira percebida pelo seu criador e co-criada com Darius Milhaud, que escreveu a música, deu o tom a este ballet que foi concebido mais como um drama plástico: "... uma turbulência entre os habitantes, uma grandiloquência nas paisagens, um excesso no desenho da baía, um ar de criação do mundo...". O argumento de L'homme et son désir é assim sonhado no Brasil, a partir do Brasil. O seu tema se aproxima de L'après-midi d'un faune, sobretudo no que se refere ao desejo sexual não realizado. Claudel admite que ficou impressionado com este ballet e a sua criatura meio-homem, meio-bode interpretada por Nijinsky, que teria o papel principal em L'homme et son désir, mas que acabou por não conseguir dançá-lo. É, portanto, Jean Borlin que interpretará a figura central neste pequeno drama baseado na atmosfera da floresta brasileira. A floresta não é representada, mas ativada como 'forças tentadoras' - um universo cheio de memórias, desejos, perigos - dirigido ao homem adormecido propondo uma cena de selvageria. A floresta é uma floresta sólida, feita do caos dos instrumentos. É nesta floresta que um homem sozinho, ao cair da noite, está nas garras da paixão de uma mulher morta. Um sonho de plástico para Claudel, ou uma pantomima autobiográfica.

Nada inocente da minha parte em fazer a opção de perturbar, ou mesmo desorientar, tal argumento. A floresta sonhada por Claudel parece-me ativar o imaginário de uma Amazônia virgem que anda de mãos dadas com a invisibilização das populações indígenas que lutam para entrar na história. Agindo como uma "paisagem neutra" em uma narrativa autobiográfica de um homem e do seu desejo por duas mulheres, a floresta de Claudel refere-se à ideia de uma natureza construída como passiva e impotente. Diante da imagem das duas mulheres sujeitas ao desejo de um homem, ele próprio se encena como o mestre de uma situação colonizadora. Para mim, L'homme et son désir é um "ballet da negação": nega o território para o reduzir a um cenário supérfluo; nega os habitantes da floresta para os reduzir a criaturas selvagens e sem voz. Ao fazê-lo, bane um comum possível e reencena a narrativa de uma fábula narcisista. Contra esta ideia de uma terra vazia de sentido e habitação, proponho Erosão, com uma narrativa de um torrão de terra a vingar-se, a irromper, a abanar o chão e a desvendar o viril e o eros dominante. Propor Erosão cem anos depois de L'homme et son désir é uma forma de evocar o ecocídio que está acontecendo há séculos no Brasil e que acaba de ser reforçado por uma política deliberada da extrema-direita. Este ballet da floresta esquecida é agora contrastado por uma floresta em erosão que está a devastar a política de um Eros sem poder coletivo. Com Erosão, desejo questionar este esquecimento, bem como esta relação extrativista centrada tanto nos recursos naturais como nos recursos humanos. O que desejo colocar em erosão não é a terra, mas sim as operações de aniquilação de mundos possíveis, as negações de formas de vida, de territórios comuns e de corpos em luta.

Entre outros elementos estéticos da peça dos Ballets Suédois, daria particular atenção à justaposição de realidades díspares que encenam um mundo ambíguo; à simultaneidade de ações que trabalham para uma polifonia que mistura dança, teatro, música, artes plásticas, e ao estilo de um elogio à loucura, à noite e ao aspecto fantasmagórico da existência humana. O quotidiano, os sonhos, o desejo, o desespero, são alguns dos elementos tomados em consideração para dar forma a esta peça de 25 minutos, tratada pelos críticos como um anti-balé e desejada pelo seu criador como uma obra de arte total. Para mim, Erosão está sendo concebida como um campo enigmático do que L'homme et son désir poderia ter sido na altura da sua criação; como uma floresta brasileira agora absolutamente abusada, queimada e esquecida por uma política esmagadora; como uma narrativa em homenagem ao trabalho do inconsciente, da noite e dos sonhos; como uma orquestração de forças reprimidas, febris, contraditórias e sonhadoras. Um novo argumento emerge para esta criação de 2022: um mundo em erosão, o eros viril em erosão, o drama global da ereção.

DIFFUSÃO

NANCY, França.18 ao 22 maio de 2022. L'Opéra de Lorraine. Estréia no programa "Pas Assez Suédois".

 

Coreografia
Volmir Cordeiro
Ensaiadora
Valérie Ferrando
Intérpretes
Inès Depauw, Inès Hadj-Rabah, Valérie Ly-Cuong, Emilie Meeus, Clarisse Mialet, Jonathan Archambault, Charles Dalerci, Léo Gras, Tristan Ihne, Afonso Massano, Willem-Jan Sas et Luc Verbitzky.
Cenografia
Hervé Cherblanc
Musique
Darius Milhaud (L'Homme et son Désir)

Criação som e arranjos
Aria Delacelle
Lumières
Éric Wurtz

Figurino
Volmir Cordeiro & Martine Augsbourger
Olhares preciosos
Martin Gil, Marcela Santander Corvalán, Bruno Pace
Duração
24'
Photos
Laurent Philippe

IMPRENSA

"Pas assez suédois! L'invitation au voyage du Ballet de Lorraine". Antoine Couder. Toute La Culture. 20.05.22 https://toutelaculture.com/spectacles/danse/pas-assez-suedois-linvitation-au-voyage-du-ballet-de-lorraine/

"Délire suédois au Ballet de Lorraine" Belinda Mathieu. 20.05.2022 https://sceneweb.fr/pas-assez-suedois-avec-le-ballet-de-lorraine/?fbclid=IwAR0MwJBZy8jBxkew2kHSfv-gJpR-qJTCTz2M7i3wC38XCSLPRz_cm3E_U8Y

"Pas assez suédois!" L'oeil d'Olivier, 19.05.22 https://www.loeildolivier.fr/2022/05/pas-assez-suedois-une-balade-choregraphique-en-terre-surrealiste/ 

 

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